quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

O conceito de estímulo e o treinamento do atleta


Antes de falarmos de estímulo é importante consideramos que o corpo humano possui uma auto-organização de modo a garantir a estabilidade de todo o sistema vivo. Esse entendimento começou com o médico e fisiologista francês Claude Bernard (1813-1878), fundador da moderna fisiologia experimental, a partir do conceito de "meio interno" ao afirmar que "todo organismo vivo mesmo diante de fortes variações do meio externo tende sempre a manter um estado de equilíbrio." 

Claude Bernard (1813-1878)

Baseado no conceito de Claude Bernard, a partir do entendimento de "constância do meio interno", o médico e fisiologista estadunidense Walter Cannon (1871-1945) cunhou o termo homeostase para explicar as propriedades autorreguladoras de todo organismo vivo, como a temperatura corporal, a pressão arterial, ritmos ciarcadianos, etc. As enzimas, por exemplo, que desempenham funções catalíticas, dependem de condições ideais de temperatura, pH e osmolaridade para exercer suas funções.

Walter Cannon (1871-1945)



O entendimento desses conceitos possibilitou ao médico e bioquímico Hans Seyle (1907-1982) explicar as respostas necessárias dos organismos para a manutenção da vida ao se apropriar do termo “stress”, oriundo da física, que traduz o grau de deformidade sofrido por um material quando submetido a um esforço e tensão, ao abordar situações ameaçadoras ao organismo (1926) ou do esforço do organismo para enfrentar situações ameaçadoras ao meio interno. 

Hans Seyle (1907-1982)

Trata-se, portanto, de uma resposta necessária a todo organismo para a manutenção da vida. Hans Seyle classificou a resposta do estresse em três etapas: 1) alerta - preparo para fuga ou luta; 2) resistência - o organismo busca reagir ao estressor e se ajustar; 3) exaustão - incapacidade do organismo reagir ao estressor, levando à supressão do sistema imunológico e possibilidades de desenvolvimento de doenças. Essa teoria é conhecida por Síndrome Geral da Adaptação ou Lei de Seyle.

Baseado nas ideias de Hans Seyle, o cientista russo Nikolai Yakovlev (1911-1992) cunhou o termo supercompensação ao fazer analogia com os termos da Síndrome Geral da Adaptação 1) alerta por estímulo, 2) resistência por adaptação e 3) exaustão por fadiga. Essa teoria ficou conhecida por Adaptação Específica às Demandas Impostas (AEDI) ou Lei da Supercompensação.

Nikolai Yakovlev (1911-1992)

Também baseado em Hans Seyle, o neuropsicólogo canadense Donald Hebb (1904-1995) cunhou a teoria do "U invertido (1956) definindo o "stress positivo ou eustress" e o "stress negativo ou distress" ao afirmar que, até certo ponto o "stress" é bom, mas se passar de determinado ponto pode prejudicar o desempenho. Estabeleceu que, o impacto do "stress" sobre o organismo depende de frequência, intensidade e duração. 



Donald Webb (1904-1995)

No entanto, os conceitos universais, homeostase e "stress", apresentavam certa lacuna ao explicar determinados fenômenos fisiológicos. A homeostase se apresenta como um conceito rígido de pequena amplitude e seu rompimento leva a uma condição de ameaça à vida, mas não explicava a homeostase supercompensada. Deste modo, Peter Sterling e Joseph Eyer cunharam o termo alostase para abordar o ajuste ou a busca da estabilidade do organismo perante eventos previsíveis e imprevisíveis, de condição mais flexível e menos rígida que a homeostase. 

Peter Sterling (1940)

O conceito alostase veio para complementar o conceito homeostase, sempre quando um estímulo rompe o estado de homeostase levando o organismo a um ajuste superior à condição inicial, supercompensada. Podemos chamar de carga alostática o custo de ajuste do organismo às sobrecargas impostas, cujo caráter cumulativo, leva a uma condição superior ao estado anterior. 

Outro termo bastante antigo que vem sendo utilizado no treinamento físico é conceito de hormese para referir a uma resposta de ajuste biológico das células e do organismo a um "stress" moderado ou intermitente. Esse termo foi utilizado pelo alquimista Paracelso (1493-1541) ao afirmar que, "a diferença entre o veneno e o remédio é a dose". A resposta hormética refere-se, a um  ajuste das células ou do organismo a pequenas doses de um agente agressor, tornando-se mais resistente a doses maiores deste mesmo. Uma frase hormética bastante conhecida "o que não mata, fortalece" foi proferida pelo filósofo Friedrich Nietzsche (1844-1900) ao referir-se a importância da resiliência perante a vida para desenvolver a "vontade de potência". A hormese prevê que, pequenas doses de estímulos são benéficas, pois ativam os processos de defesa que resultam em maior capacidade do organismo suportar progressivamente estímulos mais intensos. 

Paracelso (1493-1541)

Para finalizar, entender desses conceitos e seus desdobramentos para a área da saúde e treinamento físico se mostra de extrema importância, especialmente quando aplicamos estímulos progressivos às estruturas do corpo humano. Além disso, quanto aos estímulos do exercício físico, precisamos também considerar aspectos histológicos dos tecidos, pois numa articulação, tendão, ligamento, cartilagem, ossos e músculos possuem propriedades histológicas específicas e devem ser consideradas quanto ao tempo de ajuste às sobrecargas de natureza alostática. 

Este pequeno artigo trata de uma reflexão quanto à natureza do estímulo para que o preparador físico não cometa certos erros que podem gerar consequências negativas advindas do treinamento mal calculado gerando overtraining ou overreaching pois, como disse Paracelsus, "a diferença entre o remédio e o veneno é dose"

Treine com conhecimento daquilo que está fazendo sempre! 

Everson Indio




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