quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

Considerações do treinamento resistido para saúde e desempenho

 Já não é mais preciso convencer alguém que o exercício físico, em especial o treinamento resistido é bom para a saúde e reflete no desempenho atlético. Esses benefícios são numerosos e podemos elucidar alguns: redução da gordura corporal; aumento da taxa metabólica basal; diminuição da pressão arterial em repouso; diminuição das demandas cardiovasculares para o exercício físico; melhora dos perfis lipídicos no sangue, aumento da tolerância à glicose e sensibilidade à insulina; da área de secção transversal do tecido conjuntivo e muscular, etc.

Ao aplicamos o treino resistido devemos considerar qualidades essenciais ao desenvolvimento do programa: 1) sobrecarga progressiva, 2) especificidade do treino e 3) variabilidade. Os ajustes fisiológicos ao treinamento resistido são específicos para as ações musculares envolvidas, pois dependem da: 1) velocidade de movimento, 2) amplitude do movimento do exercício, 3) grupos musculares treinados, 4) sistemas de energia envolvidos e 5) intensidade e volume do treinamento. Outros fatores que devem ser considerados para melhora na saúde e desempenho são: 1) a composição genética do indivíduo, 2) o programa proposto e 3) nível de condicionamento. 

As variáveis de um programa de treinamento são: 1) intensidade (da carga); 2) volume (número de séries e repetições); 3) exercícios selecionados; 4) ordem dos exercícios; 5) intervalo de descanso entre as séries; 6) velocidade de contração (execução) e 7) frequência. O treinamento resistido se mostra importante no tratamento de sarcopenia para idosos homens e mulheres. Durante décadas de pesquisa, dados transversais e longitudinais mostram que a força muscular diminui cerca de 15% por década a partir da 6.ª e 7.ª década de vida e cerca de 30% depois disso, podendo levar o individuo idoso a uma progressiva perda de capacidade funcional.

A obesidade também é considerada uma desordem metabólica crônica e está associada às doenças cardiovasculares e aumento da morbidade e mortalidade. Neste caso, dieta e exercícios aeróbios são importantes para a perda de peso com redução da gordura corporal. A perda de peso com exercício físico e dieta também auxilia na redução da pressão arterial em indivíduos hipertensos e normotensos com sobrepeso, contribuindo para a redução das concentrações dos níveis séricos de triglicerídeos. As concentrações de colesterol HDL aumentam e as concentrações de colesterol LDL diminuem. É considerado hipertensão arterial valores sistólicos e diastólicos igual ou superior à 140/90 mmHg em repouso. Essa diminuição da pressão arterial após o treinamento resistido está associada a diminuição da gordura corporal e alterações no impulso simpático para o coração.


O treinamento resistido promove aumento da espessura ventricular esquerda e septo, que reduz o duplo produto (na estimulação do trabalho do miocárdio e consumo de oxigênio), reduzindo as demandas cardíacas nos exercícios submáximos. A  resistência à insulina, presente em indivíduos obesos, idosos e diabéticos também é diminuída. Assim, ocorre mudanças favoráveis na tolerância à glicose e a sensibilidade à insulina no período de 72 horas pós exercício resistido. Na dor lombar crônica pode ser tratada com exercícios de extensão lombar com a pélvis estabilizada, contribuindo para aumento de força da musculatura vertebral, reduzindo a dor dessa região e promoção equilíbrio muscular. 

Neste breve artigo gostaria de trazer o entendimento para a importância do exercício relacionado à saúde e desempenho. Não é possível pensar em desempenho sem saúde. A promoção da saúde está também relacionada com o exercício físico. 

Bons treinos e feliz 2021 neste último artigo de 2020!

Everson Índio

Referência

Kraemer, W.J et al. Resisteance Training for Health and Performance, 2002.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

O conceito de estímulo e o treinamento do atleta


Antes de falarmos de estímulo é importante consideramos que o corpo humano possui uma auto-organização de modo a garantir a estabilidade de todo o sistema vivo. Esse entendimento começou com o médico e fisiologista francês Claude Bernard (1813-1878), fundador da moderna fisiologia experimental, a partir do conceito de "meio interno" ao afirmar que "todo organismo vivo mesmo diante de fortes variações do meio externo tende sempre a manter um estado de equilíbrio." 

Claude Bernard (1813-1878)

Baseado no conceito de Claude Bernard, a partir do entendimento de "constância do meio interno", o médico e fisiologista estadunidense Walter Cannon (1871-1945) cunhou o termo homeostase para explicar as propriedades autorreguladoras de todo organismo vivo, como a temperatura corporal, a pressão arterial, ritmos ciarcadianos, etc. As enzimas, por exemplo, que desempenham funções catalíticas, dependem de condições ideais de temperatura, pH e osmolaridade para exercer suas funções.

Walter Cannon (1871-1945)



O entendimento desses conceitos possibilitou ao médico e bioquímico Hans Seyle (1907-1982) explicar as respostas necessárias dos organismos para a manutenção da vida ao se apropriar do termo “stress”, oriundo da física, que traduz o grau de deformidade sofrido por um material quando submetido a um esforço e tensão, ao abordar situações ameaçadoras ao organismo (1926) ou do esforço do organismo para enfrentar situações ameaçadoras ao meio interno. 

Hans Seyle (1907-1982)

Trata-se, portanto, de uma resposta necessária a todo organismo para a manutenção da vida. Hans Seyle classificou a resposta do estresse em três etapas: 1) alerta - preparo para fuga ou luta; 2) resistência - o organismo busca reagir ao estressor e se ajustar; 3) exaustão - incapacidade do organismo reagir ao estressor, levando à supressão do sistema imunológico e possibilidades de desenvolvimento de doenças. Essa teoria é conhecida por Síndrome Geral da Adaptação ou Lei de Seyle.

Baseado nas ideias de Hans Seyle, o cientista russo Nikolai Yakovlev (1911-1992) cunhou o termo supercompensação ao fazer analogia com os termos da Síndrome Geral da Adaptação 1) alerta por estímulo, 2) resistência por adaptação e 3) exaustão por fadiga. Essa teoria ficou conhecida por Adaptação Específica às Demandas Impostas (AEDI) ou Lei da Supercompensação.

Nikolai Yakovlev (1911-1992)

Também baseado em Hans Seyle, o neuropsicólogo canadense Donald Hebb (1904-1995) cunhou a teoria do "U invertido (1956) definindo o "stress positivo ou eustress" e o "stress negativo ou distress" ao afirmar que, até certo ponto o "stress" é bom, mas se passar de determinado ponto pode prejudicar o desempenho. Estabeleceu que, o impacto do "stress" sobre o organismo depende de frequência, intensidade e duração. 



Donald Webb (1904-1995)

No entanto, os conceitos universais, homeostase e "stress", apresentavam certa lacuna ao explicar determinados fenômenos fisiológicos. A homeostase se apresenta como um conceito rígido de pequena amplitude e seu rompimento leva a uma condição de ameaça à vida, mas não explicava a homeostase supercompensada. Deste modo, Peter Sterling e Joseph Eyer cunharam o termo alostase para abordar o ajuste ou a busca da estabilidade do organismo perante eventos previsíveis e imprevisíveis, de condição mais flexível e menos rígida que a homeostase. 

Peter Sterling (1940)

O conceito alostase veio para complementar o conceito homeostase, sempre quando um estímulo rompe o estado de homeostase levando o organismo a um ajuste superior à condição inicial, supercompensada. Podemos chamar de carga alostática o custo de ajuste do organismo às sobrecargas impostas, cujo caráter cumulativo, leva a uma condição superior ao estado anterior. 

Outro termo bastante antigo que vem sendo utilizado no treinamento físico é conceito de hormese para referir a uma resposta de ajuste biológico das células e do organismo a um "stress" moderado ou intermitente. Esse termo foi utilizado pelo alquimista Paracelso (1493-1541) ao afirmar que, "a diferença entre o veneno e o remédio é a dose". A resposta hormética refere-se, a um  ajuste das células ou do organismo a pequenas doses de um agente agressor, tornando-se mais resistente a doses maiores deste mesmo. Uma frase hormética bastante conhecida "o que não mata, fortalece" foi proferida pelo filósofo Friedrich Nietzsche (1844-1900) ao referir-se a importância da resiliência perante a vida para desenvolver a "vontade de potência". A hormese prevê que, pequenas doses de estímulos são benéficas, pois ativam os processos de defesa que resultam em maior capacidade do organismo suportar progressivamente estímulos mais intensos. 

Paracelso (1493-1541)

Para finalizar, entender desses conceitos e seus desdobramentos para a área da saúde e treinamento físico se mostra de extrema importância, especialmente quando aplicamos estímulos progressivos às estruturas do corpo humano. Além disso, quanto aos estímulos do exercício físico, precisamos também considerar aspectos histológicos dos tecidos, pois numa articulação, tendão, ligamento, cartilagem, ossos e músculos possuem propriedades histológicas específicas e devem ser consideradas quanto ao tempo de ajuste às sobrecargas de natureza alostática. 

Este pequeno artigo trata de uma reflexão quanto à natureza do estímulo para que o preparador físico não cometa certos erros que podem gerar consequências negativas advindas do treinamento mal calculado gerando overtraining ou overreaching pois, como disse Paracelsus, "a diferença entre o remédio e o veneno é dose"

Treine com conhecimento daquilo que está fazendo sempre! 

Everson Indio